“Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”
ouvi ontem em uma aula essa frase de Clarice (em “A hora da estrela”) e calhou dela voltar para mim agora, quando pensei em como começar a dizer o porquê dessa newsletter (não que eu tenha que dizer, mas quero. ainda, sinto que preciso). não sei me apresentar, essa é a verdade. não quero só dizer meu nome, meu cep, profissão falida, idade (mesmo que de alguma forma isso possa dizer algo sobre mim), tento dizer outras coisas, começar pelo início, mas tudo já aconteceu e está acontecendo e me perco por não saber dizer nada sobre mim além de “eu escrevo” - já que não consigo -ainda- dizer: sou escritora. algumas pessoas podem argumentar (e eu concordo) que isso não diz muito também de alguém, mas para mim, diz tanto de mim que é o mais próximo que consigo chegar de dizer quem sou. então, como não consigo dizer do início, vou começar por esse quadro que vi em Salvador, em Janeiro de 2023 (vou tentar, pelo menos).
estava já em um momento muito decisivo havia dois anos, sim, assim como para todo mundo muita gente, na pandemia entrei em um grande colapso acerca do que estava fazendo da minha vida. me formei em psicologia e dois meses depois veio a pandemia e nesse intervalo de tempo, o que consegui ainda exercer da profissão - como psicóloga clínica, área que está no meu coração, inclusive- foi ruindo junto com o que restava de mim, principalmente após a morte da minha avó.
nesse momento, me vi completamente sem rumo e todo o plano que eu havia traçado desde pequena (estudar-entrar na universidade- me formar - trabalhar com o que me formar - conseguir me manter e ser independente) se despedaçou na minha frente. nesse momento, pensei em muitas coisas (em retomar o sonho antigo de fazer moda, de fazer design, de retomar letras, a lista foi infinita na época, todo dia era uma nova busca por perspectiva), mas em dado momento, não sei dizer como _ eu lembrei de mim_
até então (sem exageros) eu havia direcionado minha vida para entrar na universidade e de lá sair com "tudo já acertado”, mas, por mais que eu tenha gostado muito do curso que fiz (e que ainda é uma área do meu interesse de estudo) eu não me sentia mesmo ali. como se não fosse eu mesma - e não era. escrevo desde muito nova, desde os cinco anos já fazia poeminhas e com seis eu fiz um livrinho infantil
pelo visto, para a Letícia de seis anos, estava muito óbvio o que ela queria fazer.
não sei dizer como isso aconteceu, como comecei a escrever, nem muito menos o porquê (acho lindo, inclusive, quem sabe dizer algo assim, ou pelo menos sabe tentar), o que sei é que faz parte de mim, como um osso, um pedaço que constitui minha pele, minhas entranhas, minhas mãos, meu corpo, quem eu sou. normalmente sei que costumo soar muito dramática, mas, não é o objetivo aqui. o que acontece é que sempre que tento falar sobre o que a escrita representa para mim é intenso demais para talvez não soar um pouco dramático para olhos e ouvidos menos atentos.
(peguei essa frase em um post no Instagram de
)o que aconteceu foi que, no meio de toda a devastação que estava vivendo, a plantinha que começou a despontar foi a escrita, a arte- ou a arte da escrita. foi como retornar para algo de onde nunca saí. foi como voltar para casa, para o caminho óbvio e que por falta de circunstâncias, não segui - até então.
sobre o quadro: lembro de ficar paralisada olhando para ele. esses últimos anos estão sendo como a preparação para voar: foi um ensaio, foi juntar coragem em pequenas doses e ir guardando elas em algum cantinho dentro do meu coração para que ela se tornasse maior do que o medo de pular e cair do precipício - de novo. esse quadro, foi uma dessas doses de coragem: “um dia desses viro eu mesma” . esse ano, 2024, eu resolvi que não viveria mais sem querer descobrir o que é ser eu mesma.
(arte de tiago.castro.gomes no instagram)
bom, uma pista a Letícia de seis anos já me deu: o caminho é pela escrita. me vi muito na bio de
quando ela diz que “em 2011 eu ia fazer um blog, mas precisei de um tempo para pensar”. a verdade é que nunca quis textos em gavetas, mas foi assim, salvo algumas exceções. e é por isso que estou aqui capturando uma outra dose de coragem e encontrando um local para compartilhar textos mais longos, processos de escrita, leituras, o que da vida me atravessa e, não podendo deixar de lado, meu caminho em poder me dizer escritora.em março desse ano, vi o anúncio do concurso literário Luzia Teresa, me encantei só pelo título e pela identidade visual, quando fui buscar mais informações, descobri que além de ser um concurso para homenagear Luzia (vale a pena pesquisar mais sobre ela), era voltado para mulheres paraibanas. resolvi inscrever um conto que havia feito em uma oficina de
.alguns meses depois, a surpresa - e principalmente, o espanto- de ter sido selecionada! venho falando muito sobre isso ultimamente, em qualquer oportunidade que tenho, mas ainda não parece real. quando recebi o livro em mãos, chorei. muito. um choro antigo e que me abraçou, foi um rio, me levando de volta para casa.
“Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve? Por que, realmente, como é que se escreve? Que é que se diz? E como dizer? E como é que se começa? E que é que se faz com o papel em branco nos defrontando tranquilo? Sei que a resposta, por mais que se intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente escrever” Clarice Lispector
resolvo começar hoje, no meu aniversário, porque sinto que venho renascendo no último ano e nada mais simbólico do que tentar ressignificar uma data tão conflitante para mim. e faço isso, com a “primavera nos dentes” (música de Secos & Molhados) ao tomar coragem de colocar meu coração para pulsar novamente. quero fazer da beira(da) um prelúdio de voo e não de precipício.
assim, para iniciar: no dia 24 de todo mês, chego com alguma beirada de textos, leituras, processos, atravessamentos e com a vontade de compartilhar e trocar com quem também se atravessa por alguma delas.
Feliz aniversário e bem-vinda ao Substack, Letícia! Que honra ocupar um pedacinho do teu texto de estreia, e em tão boa companhia – adorei as citações que você trouxe! Sobre o tempo, acredito que cada um tem o seu, ainda mais nesse difícil processo de se admitir escritora...